Línguas afro-asiáticas

As línguas afro-asiáticas, ou camito-semíticas, por vezes também chamadas afrasiáticas, lisrâmicas ou eritreias, são uma família de línguas de cerca de 400 línguas. Há 495 milhões de falantes das diversas línguas afro-asiáticas, espalhados pelo extremo norte e leste da África, pela região do Sahel e em todo o sudoeste da Ásia. Dentre as línguas afro-asiáticas mais conhecidas estão o árabe, o hebraico e o hauçá.

Várias das línguas da antiguidade africana e do Oriente Médio pertencem à família afro-asiática, tais como a língua egípcia e o acádio, faladas no Antigo Egito e Babilônia, respectivamente. Os sistemas de escrita desenvolvidos para estas línguas estão entre os mais antigos da humanidade. O próprio alfabeto latino tem sua origem remota no abjad utilizado para escrever o fenício, língua afro-asiática do ramo semítico. O fato de as línguas afro-asiáticas serem escritas continuamente há tanto tempo confere-lhes um lugar especial nos estudos de linguística histórica, já que os registros escritos da família cobrem um período de mais de quatro mil anos.

Classificação interna

Mapa mostrando a extensão máxima das línguas afro-asiáticas segundo Ehret

A família afro-asiática se subdivide nos seguintes ramos:

O Glottolog não considera o ramo omótico como pertencente à família afro-asiática. Contudo, o beja é considerado afro-asiático pelo coletivo de linguistas, sendo geralmente classificada como parte do grupo cuxítico. A língua ongota é também considerada afro-asiática, mas sua classificação dentro da família ainda é indefinida em parte devido à falta de dados.

Terra natal (urheimat) dos falantes do proto-afro-asiático

Há controvérsia sobre onde se falava a língua que deu origem aos idiomas afro-asiáticos (chamada proto-afro-asiático pelos especialistas). Pesquisadores como Igor Diakonoff e Lionel Bender sugerem a África, sobretudo a Etiópia, devido à grande diversidade de suas línguas afro-asiáticas. Também se sugeriu a costa ocidental do Mar Vermelho ou a região do Saara, propostas defendidas por Christopher Ehret. Por outro lado, Alexander Militarev sugere o Levante.

As línguas semitícas formam o único ramo do afro-asiático presente majoritariamente fora da África. Entretanto, há indícios que ao menos alguns falantes de línguas semíticas tenham feito o caminho inverso, do sul da Península Arábica para a Etiópia, fato que explica que algumas línguas atualmente faladas no país, como o amárico e o tigré, sejam semíticas, não cuxíticas ou omóticas. Em contrapartida, alguns especialistas como Murtonen (1967) sugerem que o semítico tenha se originado na Etiópia e de lá migrado para a Arábia.

Distribuição e status nos dias atuais

Línguas oficiais

Apenas uma minoria das línguas afro-asiáticas possui caráter de idioma oficial nos países onde são faladas. Do ramo berbere, apenas o tamazigue tem status oficial, desde 2011, no Marrocos, e de 2016, na Argélia. O ramo chádico, que conta com 200 línguas, tem apenas o hauçá como representante com status de língua oficial, na Nigéria. Do ramo cuxítico, o somáli é idioma oficial na Somália e no Djibuti, ao passo que o oromo é uma das três línguas oficiais da Etiópia. Nenhuma língua do ramo egípcio é falada nos dias atuais como língua materna, apesar de o copta ser a língua litúrgica da Igreja Ortodoxa Copta egípcia, o que lhe garante prestígio linguístico.

Inscrição bilíngue em copta e árabe numa igreja ortodoxa em Cairo

O ramo semítico possui o maior número de línguas oficiais em diversos países. Além do árabe clássico, idioma oficial da maior parte dos países muçulmanos, o hebraico é oficial em Israel, o amárico e o tigrínio na Etiópia e o maltês em Malta. O maltês é a única língua afro-asiática nativa à Europa.

Caráter semioficial ou língua nacional

O tigré (semítico) é considerado língua de trabalho regional na Etiópia. O afar (cuxítico) é língua nacional no Djibuti, ao passo que o tamazigue e o tuaregue (ambas berberes) são línguas nacionais no Mali e no Níger, no qual o hauçá (chádico) também é língua nacional. Em Camarões, além do hauçá, há 57 línguas chádicas de caráter nacional.

Línguas litúrgicas

As línguas afro-asiáticas têm grande importância cultural dentre as religiões abraâmicas . Além do uso do copta na Igreja Ortodoxa Egípcia, a língua árabe é a língua utilizada em rituais e liturgias de comunidades religiosas muçulmanas. O hebraico é utilizado pelas congregações judaicas ao redor do mundo, e influenciou o cristianismo por meio de conceitos referentes ao judaísmo no Antigo Testamento. A língua etíope (também chamada ge'ez ou gueês) é a língua litúrgica da Igreja Ortodoxa Etíope. A Igreja Ortodoxa Síria utiliza o siríaco, língua derivada do aramaico, em sua liturgia.

Tipologia e características comuns

Fonologia

O sistema vocálico reconstruído para o proto-afro-asiático é relativamente simples, sendo composto de três vogais curtas /i a u/ e três longas vogais /iː aː uː/. Segundo Ehret (1996), há línguas tonais nos ramos omótico, chádico, e cuxítico meridional e oriental. Os ramos semita, berbere e egíptico não são tonais. A reconstrução do sistema consonantal apresenta mais incertezas. Não há acordo dentre os linguistas especialistas no afro-asiática sobre o número exato de fonemas consonantais ou tampouco sobre inventário. A reconstrução de Ehret (1995) inclui 42 consoantes, ao passo que Orel e Stolbova (1995) propõem 33 consoantes. A tabela a seguir apresenta O inventário combinado de ambas as reconstruções; fonemas entre () são reconstruídos apenas por Ehret, ao passo que consonantes entre <> correspondem à reconstrução de Orel e Stolbova:

A maioria das línguas afro-asiáticas apresenta uma série de consoantes ditas enfáticas, que são geralmente glotais, faringais ou oclusivas.

Morfossintaxe

Alguns traços compartilhados por diferentes idiomas afro-asiáticos incluem:

  • Dois gêneros no singular, sendo o feminino indexado com o fonema / t /
  • Três casos gramaticais indexados morfologicamente (nominativo, absolutivo/acusativo e genitivo) nos substantivos
  • Ordem básica dos constituintes do tipo VSO ("Toma a mulher o caldo"), com tendências em relação à ordem SVO ("A mulher toma o caldo")
  • Presença de prefixos e sufixos nos verbos
  • Morfologia templática triconsonantal, na qual derivação e flexão se dão por mudanças internas nas palavras
    • Plural por flexão interna ou descontínuo, no qual o plural de substantivos e adjetivos se dá por mudanças no interior da palavra, podendo haver rearranjo concomitante das consoantes. Em várias línguas afro-asiáticas, algumas palavras podem também apresentar sufixos concomitantes às mudanças internas, ou apenas o sufixo.

Conjugação verbal

Nos sistemas verbais dos ramos semítico, berbere e cuxita (incluindo o beja) a indexação de pessoa do discurso é feita por prefixos, sendo que as formas plurais contêm também um sufixo. Em hauçá, os pronomes pessoais são conjugados.

Apesar da diferença marcada entre o hauçá e as demais línguas na conjugação verbal, percebe-seos pronomes divergentes (kín/káa para segunda pessoa) na verdade são consistentes com a série de pronomes pessoais sufixados (ver abaixo).

Pronomes pessoais sufixados

Os sufixos que indicam pessoa (pronomes pessoais e possessivos) apresentam formas similares nos ramos semítico, bérbere, cuxítico (incluindo no beja) e chádico. Quando afixados a substantivos, tais prefixos indicam posse (*dîm-ki 'sangue dela', *dîm-ʔina 'nosso sangue'), ao passo que em verbos tais sufixos indicam o objeto direto. As formas reconstruídas para os diferentes ramos são:

Casos gramaticais

O afro-asiático possuía um sistema de casos nominais, no qual o sufixo indexava o papel semântico do substantivo, por exemplo o iniciador da ação (nominativo) ou o paciente da ação ( acusativo). Os dados abaixo do berbere provêm do shilha, ao passo que o ramo chádico é representado pelo hauçá.

Cognatos e léxico comparado

Dentre as palavras cognatas encontradas em vários ramos citam-se:

  • b-n- "construir" (Ehret: *bĭn), atestada nos ramos chádico, semítico (*bny), cuxita (*mĭn/*măn "casa") e omótico (dime bin- "construir, criar");
    Hieróglifos em egípcio antigo (ramo egípcio)
  • m-t "morrer" (Ehret: *maaw), atestada no chádico (p.ej., hauçá mutu), egíptico (mwt, mt, copta mu), berbere(mmet, pr. yemmut), semítico (*mwt), e cuxita (proto-somáli *umaaw/*-am-w(t)- "morrer")
  • s-n "saber", atestada nos ramos chádico, berbere, e egíptico
  • l-s "língua" (Ehret: *lis' "chupar"), atestada no semítico (*lasaan/lisaan), egíptico(ns, copta las), berbere (iles), chádico (hauçá harshe), e possivelmente no omótico (Dime: lits'- "lamber");
  • s-m "nome" (Ehret: *sŭm / *sĭm), atestada no semítico (*sm), berbere (isem), chádico (hauçá suna), cuxita e omótico (as formas berbere isem e omótica sunts se atribuem por vezes a empréstimos do semítico); o egípcio smi "informar, anunciar" talvez seja cognato.
  • d-m "sangue" (Ehret: *dîm / *dâm), atestada em berbere (idammen), semítico (*dam), chádico, e possivelmente no omótico. O cuxita *dîm/*dâm, "vermelho", pode ser um cognato.
    Silabário acádio (ramo semítico)

Numerais

Os numerais reconstruídos para os diferentes ramos são os seguintes:

Bibliografia

  • Bernd Heine and Derek Nurse, African Languages, Cambridge University Press, 2000 - Cap. 4
  • Merritt Ruhlen, A Guide to the World's Languages, Stanford University Press, Stanford 1991.
  • Lionel Bender et al., Selected Comparative-Historical Afro-Asiatic Studies in Memory of Igor M. Diakonoff, LINCOM 2003.

Referências

Ligações externas

Veja também

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